domingo, 20 de maio de 2012

A questão do Golfo Pérsico

Recentemente o Mundo foi e ainda é abalado com os acontecimentos políticos em todo o Oriente Médio, nos episódios apelidados de “Primavera árabe”. Se analisarmos a história recente do Oriente Médio e suas oscilações e instabilidades decorrentes da economia do Petróleo, a economia que mudou a História do capitalismo no século XX podemos identificar um processo de erupções sociais, ora cooptadas, ora reprimidas desde o Neocolonialismo do XIX. Vemos por exemplo muito antes das revoltas populares ocorridas no Mundo árabe atual, as crises políticas no golfo pérsico. Em 1979, eclode no Irã a Revolução Islâmica liderada por uma figura messiânica, o Aiatolá Khomeini, importante representante do xiismo no país, segmento do Islamismo dominante entre a população.


Embora as versões oficiais relatem a Revolução Islâmica como um fenômeno de fé, foi acima de tudo uma revolução social travestida de devoção e fanatismo religioso. Os fatos demonstram que o movimento xiita foi cooptado pelos revoltosos como um símbolo de identidade nacional que uniu todo o povo iraniano contra o regime conservador e ocidentalizado do Xá Reza Pahlevi. Fenômeno semelhante pode ser identificado na ação de Antônio Conselheiro em Canudos, na polêmica passagem do Brasil monárquico para a República. Hoje vemos na ação de Conselheiro um potente movimento de resistência àquela República burguesa, onde a mudança foi realizada de cima para baixo e não o contrário.

O impacto gerado pelo “abalo sísmico” em Teerã não só preocupou a economia ocidental que temia mudanças significativas nos preços do Petróleo como também se acreditou na possibilidade desta revolução influenciar nações vizinhas, mergulhando o Oriente Médio num caldeirão de revoluções. De fato, houveram agentes iranianos infiltrados no Iraque para fomentar uma revolução xiita no país vizinho e ameaçar o poder do sunita Saddam Hussein. Mas os Estados Unidos identificaram na fúria de Hussein uma oportunidade de dar cabo em um movimento contrarrevolucionário.

A Guerra Irã-Iraque (1980-1988)

Embora Saddam tivesse motivos suficientes para declarar uma guerra contra o Irã, como por exemplo, os infiltrados iranianos que fomentavam a massa xiita e curda no Iraque para tirá-lo do poder, o ditador iraquiano declara o conflito reascendendo antigas disputas territoriais no Chat-Al-Arab (Costa dos árabes) que tem sido motivo de discussão desde a Mesopotâmia. Além do mais, a maior refinaria de petróleo do Irã encontra-se em Khorramshahr, bem próxima à fronteira com o Iraque.

A invasão do Iraque encontrou fortíssima resistência militar do governo dos aiatolás, recém-estabelecidos no poder. Em meio ao conflito e o nítido interesse estadunidense em apoiar Hussein contra os iranianos, foi observado um polêmico esquema de corrupção no segundo mandato de Ronald Reagan envolvendo o contrabando de armas para o Irã, no escândalo mais tarde conhecido como “Irã-Contras”. O objetivo da CIA na época era o de levantar fundos para outra manobra política na Nicarágua.

O conflito se seguiu por toda a década de 80, as ofensivas e baixas em ambos os lados, arrasou os dois países. O Conselho de Segurança da ONU se colocou como mediador e a negociação, que durou meses, pôs fim ao conflito em agosto de 88. A guerra diminuiu o ímpeto revolucionário no Irã e mais, assentou o governo teocrático no país, pois embora o fator religioso tivesse sido crucial, os setores liberais do Irã que apoiaram as massas contra o Xá perderam oportunidades de criar uma oposição, a guerra e o nacionalismo uniu o Irã de Khomeini.

Portanto vemos que a resistência à ocidentalização e aos desmandos no Oriente Médio não pode ser vista como um fenômeno isolado do novo século. É um processo que vem se estendendo ao longo do século XX.

domingo, 4 de setembro de 2011

União Soviética – a experiência fracassada da Rússia contra o Capitalismo

A Europa após o turbulento ano de 1848 e a Primavera dos Povos já não representava mais um continente em vias de estabilização, muito pelo contrário. O barril de pólvora aceso pela Revolução Francesa ainda em finais do XVIII ascenderia o pavio de novas lutas pela justiça política que buscariam não só a quebra dos valores da submissão autocrática como o da justiça econômica, um dos tópicos mais controversos da civilização humana.


Em 1867, Karl Marx e Friederich Engels publicam o “Das Kapital”, uma teoria final e completa do capitalismo. “Das Kapital” trazia elementos filosóficos que iam desde Hegel, Feuerbach, Proudhon, Conde de Saint-Simon, Charles Fourier, Adam Smith e David Ricardo - um conjunto de autores cujas idéias foram suficientemente consistentes para colocar a Europa na rota dos grandes conflitos, num mundo absolutamente Iluminista.

Enquanto na França, as idéias de justiça econômica já estavam bastante avançadas, de modo que proporcionaram as revoluções de 1848 e até obtiveram êxito com a Comuna de Paris em 1871, a Rússia seguia um dos países mais atrasados do continente, fosse ao pensamento filosófico, na indústria, na política e etc. Em meio a esse atraso total e completo, que deixavam a Rússia czarista alheia aos acontecimentos da Europa Central, “O Capital” foi introduzido na Rússia pela primeira vez em 1872. O historiador inglês Orlando Figes em “A Tragédia de um Povo” descreve quais as circunstâncias que esta obra, de alto teor contestatório e uma ameaça sem igual aos poderes latifundiários russos se infiltrou naquele mundo semi-feudal:

"Em Março de 1872 chegava à secretária do censor russo um volume pesado sobre economia política, escrito em alemão. O autor era conhecido pelas suas teorias socialistas e todos os seus livros anteriores tinham sido proibidos. O editor não tinha qualquer razão para esperar que este livro tivesse um destino diferente. Tratava-se de uma crítica sem compromissos ao moderno sistema fabril e apesar de a lei russa da censura ter sido liberalizada, permanecia ainda uma clara proibição para todas as obras que abordassem as "nocivas doutrinas do socialismo e comunismo" ou que pudessem "atiçar a antagonismo entre uma classe ou outra". As novas leis (de censura) eram suficientemente rígidas para proibir livros tão perigosos como o "Ética" de Espinoza, o Leviatã de Hobbes, o "Ensaio sobre a história geral" de Voltaire...

No entanto, acharam eles que este magnum opus alemão - 674 páginas de compacta análise estatística- era demasiado difícil para poder ser considerado uma ameaça ao Estado. "Pode ser afirmado com segurança", concluiu o primeiro dos censores, "que muito poucos na Rússia o vão ler e menos ainda o irão compreender". E o segundo censor acrescentou que para além disso, o autor ataca o sistema de fabricação britânico, e que a sua crítica não é aplicável à Rússia, onde a "exploração capitalista" de que ele fala não é conhecida. Nenhum dos dois censores achou necessário impedir a publicação desta obra "estritamente científica"

Plekhanov é o grande precursor do Marxismo russo, em suas obras “socialismo e luta política” (1883) e “Nossas diferenças” (1885) definiria àquilo que se convencionou chamar de “Socialismo à russa”. A Rússia significava um caso extremamente particular até mesmo pra lógica Marxista uma vez que o país possuía uma cultura agrária que a princípio soa bastante difícil imaginar uma coesão, no sentido marxista, de consciência de classe suficiente para suplantar os poderes vigentes. Até então, acreditava-se que os movimentos sociais só nasciam no seio do operariado urbano, por representarem o que de mais avançado existia em massa de explorados na moderna economia industrializada e até mesmo expansionista da Europa Central.

Com uma indústria incipiente e um operariado urbano ínfimo, as atenções dos intelectuais russos eram voltadas para os camponeses. A partir daí, a Rússia parecia caminhar para um núcleo de terrorismo como a expressão mais acessível àquela massa de camponeses alheios ainda à diplomacia urbana. Parecia, contudo ser uma unanimidade entre os intelectuais russos, sobretudo Plekhanov que a solução mais plausível para o país era um socialismo diferente, com a cor da Rússia.

Narodnaya Volya

A mais imediata forma de resistência às injustiças econômicas na Rússia encontrou fácil vazão pelas mãos do terrorismo, através do grupo Narodnaya Volya (Vontade do Povo). Dentre as ações terroristas mais famosas do Narodnaya Volya está o assassinato do czar Alexandre II em 1881.

Entre os muitos partidários do grupo terrorista estava Aleksandr Ilyich Ulyanov, irmão mais velho de Lênin, cuja morte viria a contribuir e muito para o pensamento político do último, que se convenceria que o socialismo na Rússia não poderia ser sustentado pela via do terrorismo e sim pela propaganda e maior organização política. Aleksandr Ulyanov viria ser capturado e morto pela polícia russa ao ser descoberto, junto de outros membros do grupo, em uma nova tentativa de atentado cujo objetivo era eliminar, desta vez, Alexandre III, no dia do sexto aniversário da morte de Alexandre II.

Vladimir Ilitch Lênin e a Revolução como uma possibilidade

A virada do século XIX para o XX parecia ser a expressão do início de uma nova era, uma era que já vinha sendo anunciada na Europa desde 1848 e que agora no limiar do século apontava para um futuro promissor e a Rússia, através de uma cada vez mais incendiária classe de camponeses e proletários, disposta a iniciar o novo século com uma revolução, embora tal movimento fosse considerado extremamente improvável.


Leitor apaixonado de Chernyshevsky, em particular da obra “Quê Fazer?” que clamava pela criação de um novo homem russo através da auto-disciplina, auto-estilização e capaz de superar todos os traços do senso comum que identificavam os russos como passivos, melancólicos e alcólatras, Lênin acreditava cada vez mais que se a Europa deveria mudar e atingir um novo patamar do desenvolvimento social que pudesse enfim derrotar o capitalismo, por quê não iniciar este incêndio pela Rússia? Lênin foi um dos intelectuais russos que mais souberam aliar a teoria com a prática, organizando e incentivando todos os operários e camponeses para aquilo que se convencionou chamar de “revolucionários profissionais”.

1905 – Ensaio Geral

A Revolução russa de 1905 eclode em todo o Império Russo como um movimento espontâneo e descentralizado, sem muito objetivo e precisão. Contudo, é considerado pelos soviéticos como o grande ensaio para a Revolução de 1917.

A crise se explica em grande parte pela tentativa do Império Russo em modernizar-se e tentar, de forma autoritária, acompanhar o gap existente entre o país e o resto da Europa Ocidental cuja sofisticação e desenvolvimento industrial atravessava fronteiras, com colônias que se digladiavam pelo controle da África, num verdadeiro expansionismo do capitalismo europeu.

Lênin já percebera que a Rússia não poderia esquivar-se do desenvolvimento capitalista, cedo ou tarde ele entraria na Rússia feudal. O fim do trabalho escravo, que na Rússia durou até 1861, coloca uma massa de miseráveis nas ruas das principais cidades russas, que contribuíram decisivamente para agregar o discurso inflamado dos revoltosos.

Os grandes êxitos da Revolução de 1905, apesar de verdadeiros massacres como o Domingo Sangrento, fizeram o czar Nicolau II relutantemente lançar o Manifesto de Outubro que permitira a criação da Duma (parlamento) e a existência de partidos políticos como o Menchevique (social-democrata, porém moderado e com apoio da burguesia local) e o partido Bolchevique (mais radical e revolucionário). Além do mais, o Domingo Sangrento que fez a Okhrana, a temida polícia secreta do czar, disparar contra a multidão de revoltosos em São Petersburgo indignou a população russa, que passou a ver o czar definitivamente com outros olhos, pois até então Nicolau II ainda tinha certa popularidade.

A Revolução Russa de 1917

A grande revolução russa que eclode em 1917, desenvolve-se em duas etapas. Em fevereiro de 1917, as ruas de Petrogrado são tomadas por manifestantes. A adesão das tropas responsáveis por manter a ordem pública engrossou o grupo de manifestantes que se encaminharam para o Palácio de Tauride, a sede da Duma (parlamento).

Ao longo do dia, já reunidos no Palácio da Duma, formaram-se dois comitês, um formado por deputados moderados e que formariam um governo provisório e o outro era o “Soviete” da cidade de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas das mais diversas correntes.

Temendo um novo Domingo Sangrento, Nicolau II representado pelo grão duque Mikhail, ordenou que as tropas leais da Okhrana se retirassem e Nicolau II assinou sua abdicação. Um governo provisório foi formado pelo grupo dos moderados, com claros interesses burgueses. Contudo, em 1º de março de 1917, os Sovietes já exigiam que o exército parasse de obedecer aos Mencheviques e obedecessem aos Bolcheviques.

A segunda fase da Revolução ocorre em Outubro, com Lênin exigindo “todas o poder aos sovietes”. Na madrugada de 25 de outubro, os bolcheviques, liderados por Lênin, Zinoviev e Radek, bem como milhares de manifestantes e vários elementos do exército cercam a capital Moscow e declaram o poder total dos Bolcheviques.

Uma grave crise e guerra civil se instalariam nos anos seguintes até a criação definitiva da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.


A União Soviética – Um Estado policial autoritário

As pretensões de Lênin em promover uma Revolução na Rússia aparentemente haviam tido êxito, contudo é preciso salientar que a natureza do sistema não foi substancialmente mudada. Embora seja apontado como o interesse último de Lênin e seus correligionários, o século XX não veria uma grande mudança nas estruturas de poder.

Marx sugere, ao longo do Manifesto Comunista, que todas as revoluções até a sua morte (com exceção da Comuna de Paris) haviam aprimorado a noção do Contrato Social, ou seja, a noção de Estado ao invés de tê-lo mudado completamente, ou seja, pra uma ordem social independente de uma ação intervencionista maior, uma vez que esta já seria o reconhecimento final de que a sociedade não possui consciência o suficiente pra se auto-governar, necessitando portanto de uma representação estatal.

Algumas fontes dão conta que Lênin já havia percebido o erro nos primeiros meses de União Soviética e de certa forma, conscientizado de que aquela grande empreitada se não tivesse dado certo, pelo menos poderia ser adiada pra mais adiante no decorrer do Século XX.

Com sua morte em 1924, em condições extremamente controversas, Joseph Stálin toma o poder da União Soviética e a mantém como um Estado policial autoritário. Surge o Stalinismo que mantém as bases pra que a União Soviética tenha se tornado um ator, importante e ameaçador, ao longo de meio século de Guerra Fria. Contudo, a Revolução Russa fracassara. Há quem diga que Lênin acreditava que o grande trunfo da Revolução russa seria o de propaganda, ou seja, de que ela pudesse fomentar uma Revolução na Alemanha, mais industrial, com atmosfera filosófica ampla e que por tabela geraria uma revolução em toda a Europa.

Ciente de que a Revolução só tem êxito se ela tiver um caráter global, a União Soviética – embora tenha se expandido militarmente, manteve um caráter imperial e estatal, não conseguindo o seu maior objetivo, extinguir a noção de Estado nacional.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Crise do Contrato Social – À que circunstâncias estamos entregues nas “mãos” do Neoliberalismo econômico?

As discussões que procuram entender ou mesmo legitimar a atividade do Estado ou autoridade política partem de compreensíveis pressupostos que visam medir o impacto, geralmente incerto e negativo, de uma sociedade entregue à “organização da natureza” – que em escala humana, ou seja, racional, representariam um panorama de caos.

Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau são considerados os maiores pensadores do contratualismo. O pensamento de Hobbes, expresso no clássico de 1651 “Leviatã” (em clara referência ao Leviatã bíblico) sugere que a barbárie ou “Bellum omnium contra omnes” (guerra de todos contra todos) seria é um estado da natureza que só pode ser evitado por meio de um governo central e forte.

John Locke por sua vez, embora com idéias idênticas às de Hobbes no tocante à finalidade última da organização civil em seu clássico intitulado “O Segundo Tratado sobre governo civil” (1690) diverge no que diz respeito à forma como as sociedades devem se submeter a essa força externa maior, a relação entre este representante estatal e a sociedade deve ser mais fluida, justificável sua destituição em casos de abusos ou situações que retiram direitos naturais que, uma vez concedidos por Deus, são irrevogáveis – numa organização muito pautada no consentimento e confiança, numa relação organizacional que cubra o interesse coletivo, ou seja, o da estabilidade.
Jean-Jacques Rousseau traça em “O Contrato Social” (1762) uma análise que procura entender por que existe sociedade e por que o homem se priva da liberdade, concluindo que, no contrato social os bens são protegidos e as pessoas, unindo-se às outras, acabam por obedecer a si mesmas, conservando enfim a liberdade, que para Rousseau é um direito inalienável.

Margaret Thatcher – The Iron Maiden (A Dama de Ferro)

O mais duro golpe ao Contrato Social na História recente da Humanidade partiria, quem diria, de uma mulher, a “dama de ferro” Margaret Thatcher, primeira ministra britânica de 1979 a 1990. A política inglesa a partir dos anos 80, hora chamada de Thatcherismo, hora denominada explicitamente de uma renovada forma de Liberalismo econômico, o Neoliberalismo, despontara na Europa (puxando junto consigo a maioria dos países do Ocidente) uma doutrina econômica que, para muitos, foi vista como um murro no estômago. Novamente, a fé cega no mercado que ganha um aspecto quase que metafísico às relações econômicas humanas, levaria ao monetarismo como doutrina política, passando a exercer papel central na “regulamentação” da sociedade.

Mais do que uma guinada neoliberal, a doutrina Thatcher na Inglaterra passaria até mesmo a ser vista como autoritária. Especificidades a parte, o Neoliberalismo crescente da Europa, Estados Unidos e todo o seu mundo “satélite” ameaçam a estabilidade da convivência humana, pois fragmenta o Estado do bem-estar social entregando-o aos interesses obscuros e mais hedonistas que a animalidade humana é capaz de desenvolver na lógica do “Bellum omnium contra omnes” que o capitalismo é capaz de proporcionar.

O mundo esquizofrênico e “pós-industrial” atual possui uma série de exemplos de como o Neoliberalismo distorce a ordem social. Variados são os exemplos e debates que tentam identificar este processo e são fontes de inúmeras pesquisas, estas informações vão desde a busca pela resposta do porquê os índices de desemprego quadriplicaram em nível global nas últimas duas décadas a até questões como por que se vive num mundo de interesses cada vez mais inclinados à identidade sexual exacerbada, a violência extrema, a busca pela fama à todo custo, as corruptelas dentro das empresas (e no mundo da política também), o crescente endividamento e até mesmo o uso de entorpecentes se sobressaem sobre os interesses coletivos de subsistência responsável.

Todos estes dramas atuais podem ser resultados do enfraquecimento de uma autoridade central forte e de um contrato social que reconheça que ainda há muito ainda para que o nível de consciência social seja suficientemente forte para uma anarquia total.

A pergunta que não quer calar, à que circunstâncias estamos entregues nas “mãos” invisíveis do Neoliberalismo econômico? A Crise econômica global dos subprimes em 2008 - que persiste sendo uma bola de neve interminável parece ainda não ter respondido com clareza a tais dúvidas.



Referência: MAZOWER, Mark. Continente sombrio: A Europa no século XX - cap. "A crise do contato social". Companhia das Letras, São Paulo: 1998.

sábado, 25 de junho de 2011

A Indústria Cultural – de Wilhelm Richard Wagner a Michael Jackson





A Indústria Cultural, termo empregado pela primeira vez pelos sociólogos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer (membros da Escola de Frankfurt) põe em evidência o surgimento de uma nova forma de produção humana desenvolvida e lapidada no século em que todas as paixões humanas se encontrarão num panorama de mundo massificado e orientado sob a égide de um modelo econômico moldado ao longo dos últimos séculos, o capitalismo.

O século XX traz para o mundo o primeiro bilhão de habitantes e junto desta imensa população global um sem número de acontecimentos, pensamentos, tendências, atitudes, comportamentos, virtudes e etc. É neste século também que o Capitalismo encontra a propaganda e a emoção dos espetáculos (La société du spectacle).

A indústria cultural desenvolve uma realidade de um imenso consenso informal, o “mainstream”, em especial da cultura ocidental, numa grande síntese cultural preparada para aderir com eficiência no cotidiano das massas e deste universo garantir a manutenção última do sistema liberal.

Para que fosse necessário o estabelecimento com sucesso e solidez desta indústria, pudemos identificar ao longo do século XX um código de estímulos emocionais que capturam as emoções das massas e as embriagam a tal ponto que passam a ser manipuláveis, de acordo com o objetivo de seus condutores. Os primeiros grandes exemplos de manipulação emocional das massas, contudo, não demonstrava interesses claramente econômicos, mas políticos.

O Nazismo inaugura o marketing e a propaganda

Hitler e a estética e retórica nazistas levam pela primeira vez, numa cultura ocidental, a prática os efeitos emocionais do Romantismo nacionalista, moldando uma ética de orgulho e pertencimento nacional sem igual na Alemanha Nazista. Para que isso fosse possível, a grande inspiração não poderia ter sido outra além das contribuições artísticas e teóricas de Wilhelm Richard Wagner. É célebre a frase de Hitler sobre a sua própria doutrina política: “Não se compreende por completo o Nacional Socialismo se não se compreende Richard Wagner”.

Quem foi Richard Wagner?


Wilhelm Richard Wagner foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão do século XIX. É considerado um revolucionário das artes, sendo atribuído a Wagner uma série de pioneirismos da linguagem musical e artística, introduziu a noção de “Leitmotiv” (motivo condutor) na Ópera, o cromatismo extremo e a rápida mudança dos centros tonais, desenvolvendo assim novos parâmetros na música erudita européia. Pelo arrojo de suas produções artísticas, que também integravam elementos do Romantismo alemão, suas idéias são consideradas fundamentais no desenvolvimento da própria linguagem nazista no século XX. Os estímulos emocionais na música Wagneriana seriam as maiores inspirações pro desenvolvimento de uma narrativa de “orgulho nacional” na cultura alemã, o que significou o braço artístico do Nacional Socialismo.

A “Cavalgada das Valquírias” é considerado um dos ícones da Ópera wagneriana



Exemplos de como a estética musical de Wagner são empregados na Indústria Cultural é o clássico tema de abertura da saga “Guerra nas Estrelas” de George Lucas. Tal orquestra é um dos maiores exemplos de que Wagner continua a contribuir para a construção de uma expressão musical capaz de cativar e captar as paixões humanas.



A Indústria fonográfica encontra Wagner

A Indústria Cultural se serve de Wagner o tempo todo para tecer um universo integrado das emoções. Com a Indústria fonográfica, não poderia ser diferente. No século XX, a noção wagneriana de Gesamtkunstwerk (Obra de arte total) encontra total e completa ressonância em uma gama de cantores, compositores, bandas e etc. Sua estética é lapidada a cada geração, indo, por exemplo, de Frank Sinatra à Chuck Berry, Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones e mais recentemente a Michael Jackson (dentre muitos outros exemplos).



Referências: Oficina "História e Audio-visual: Indústria Cultural, Cultura Midiática e Sociedade do Espetáculo (séculos XX-XXI)" do historiador Wagner Pinheiro Pereira

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ditaduras militares na América Latina - ascensão e queda

Quando observamos a História política na América Latina, é praticamente inevitável desfazer-se da idéia de que a influência exercida pelos Estados Unidos da América na conformação de tendências e políticas governamentais foi imenso, políticas estas amplamente influenciadas pelo jogo de interesses, sejam eles interesses burgueses ou dos operários. Em meados do século XX, as repúblicas latino-americanas, no geral, passam por um processo de crise - que é fundamental pra compreender as décadas seguintes.

Vale ressaltar que a década de 1950 é um importante marco para o início desta crise - A revolução cubana em 1959 teve, para o nosso continente, o impacto metafórico de um "sopro de ar fresco". Foi a primeira revolução na América Latina a ter ido até o final e triunfado, promovendo uma grande insurreição camponesa e a uma greve geral.


Entre 1959 e 1961, Cuba viveu um período de muita turbulência política, o que incluiu até mesmo a defesa de tentativas de invasão e contenção da revolução por meio de forças militares norte-americanas (Invasão da Baía dos Porcos). Um fator agravante é que a União Soviética, grande símbolo de revolução social e implantação do modelo socialista não havia visto a Revolução Cubana com grande simpatia. Em meados da década de 1920, os soviéticos já não queriam mais pensar em revoluções. As políticas pós-Lênin, ou seja, stalinistas visavam a manutenção do status-quo soviético onde a "explosão" da Revolução é contida e administrada burocraticamente, numa perspectiva até mesmo conservadora.

Até que Cuba conseguisse estabelecer a solidez de sua revolução, a URSS mantinha-se como espectadora distante. Obviamente, após todos os sinais de que a Revolução enfim triunfaria, o próprio governo revolucionário cubano almejou uma aliança com a URSS, respeitando a política burocrática vigente. Este fato inclusive é considerado decisivo para o rompimento das relações de Fidel Castro com Ernesto Che Guevara – mais idealista e crente de que a revolução tinha um caráter universal, incentivando a instalação de grupos guerrilheiros em vários países da América Latina e Terceiro Mundo, chegando até mesmo a participar da luta armada em países como o Congo na África e nos planaltos da Bolívia - onde foi capturado e morto pelo exército boliviano amplamente apoiado pela CIA. Os Estados Unidos estavam convencidos de que o grande "cérebro" da Revolução cubana havia sido eliminado da cena, sem, contudo atentar-se para o fato de que o “espírito” contestatório já germinava em toda a América Latina.

A partir daí, toda a onda de influência direta e indireta da política norte-americana na instalação de governos contra-revolucionários visavam assegurar com tudo o fosse necessário, que jamais veríamos algo semelhante ao ocorrido em Cuba novamente.

O Golpe Militar de 1964 no Brasil e a Operação Brother Sam

O primeiro grande golpe militar na América Latina surge no Brasil, país de extensão continental que fazia fronteira com quase todos os países da América do Sul. Desde 1960, com a eleição da chapa Jan-Jan (Jânios Quadros e João Goulart, o “Jango”) o programa de governo de Jânio Quadros (que possuía no currículo uma ascensão meteórica ao poder que em 15 anos passou de professor de Geografia e Direito Processual Penal em São Paulo para Presidente da República, passando pelos cargos em São Paulo de vereador, deputado estadual, prefeito, governador e, por fim, presidente do Brasil com uma margem de vantagem que atingia os dois milhões de votos sobre o marechal Henrique Lott) não possuía vínculos com “clãs”, não tinha padrinhos, não era dono de jornal ou nenhum outro veículo de comunicação, não era rico, não possuía ligações com nenhum grupo econômico, não tinha vínculo com EUA e nem com a Rússia e por fim, condenava o comunismo. Jânio e seu programa de governo estavam completamente alheios a qualquer grupo de influência nacional e internacional na época e sua ascensão ao poder fortemente ligada ao seu incrível carisma e apelo popular representando genuinamente um político que buscava a estabilidade, rompendo com fórmulas antiquadas e uma abertura para novos horizontes. Combatendo à burocracia estatal brasileira, adotou uma prática que remete à Winston Churchill, o de comunicar-se com ministros sem intermediários direcionando memorandos – que foram apelidados jocosamente de “bilhetinhos do Jânio”. Uma série de ocorrências insólitas marcaria negativamente o governo de Jânio diante das alas mais conservadoras.

Uma condecoração ao líder guerrilheiro Ernesto Che Guevara em 19 de agosto de 1961 com a Grã Cruz da ordem Nacional do Cruzeiro do Sul num ato de agradecimento pelo mesmo ter ordenado a libertação de sacerdotes cristãos de Cuba que estavam condenados ao fuzilamento, após um pedido de Jânio Quadros que representava na verdade as pressões vindas do Núncio apostólico brasileiro que o solicitou em nome do Vaticano – este entre outros atos que incomodavam o empresariado mancharam de vez sua reputação frente aos conservadores anticomunistas, levantando a hipótese de que Jânio simpatizava-se com o guerrilheiro argentino e o discurso de esquerda. Alegando “forças terríveis” que se levantavam contra si, Jânio renuncia do governo em 25 de agosto de 1961 tendo cumprido apenas sete meses de mandato.

Nesta mesma época, seu vice, João “Jango” Goulart, realizava uma missão diplomática na República Popular da China e mesmo com tentativas de impedir a sua posse como presidente em seu retorno, Leonel Brizola então governador do Rio Grande do Sul mobilizou o estado em defesa da posse de Jango, naquilo que ficou conhecido como “campanha da legalidade”. Na volta da China, Jango desviou o vôo para Montevidéu no Uruguai e aguardou o desfecho do impasse. Finalmente, em oito de setembro do mesmo ano, assume a presidência do Brasil.

Em 1962, o governo Goulart aprova o Plano Trienal elaborado pelo economista Celso Furtado – que dentre muitas características não possuía simpatia da alta burguesia brasileira. O plano falhou devida grande adesão das oposições ao boicote. A economia então mergulhava em um período de inflação e crises econômicas. Desgastado com o conflito de posições político-econômicas, em meio a acusações de que o Jango era um “subversivo”, em 1º de abril de 1964 o governo sofre o famigerado Golpe Militar, denominado de “revolução” por seus executores.

O golpe militar brasileiro não apenas contou com o patrocínio político-ideológico americano como também o apoio militar. À época do golpe, a CIA havia acreditado na possibilidade do golpe desencadear uma guerra civil e mobilizou toda a frota do Caribe para a costa brasileira munida de 100 toneladas de armamentos, uma esquadrilha de caças aéreos, um navio de transporte de helicópteros, um porta-aviões do tipo Forrestal, seis destroyers, um encouraçado, um navio de transporte de tropas, 25 aviões C-135 para transporte de material bélico entre outros. A invasão americana já estava completamente organizada caso o golpe de 64 falhasse. Não foi o caso.


O Golpe Militar de 1971 na Bolívia


A Bolívia já vinha adotando políticas econômicas conservadoras já na década de 60, abrindo a sua riquíssima indústria de minérios ao investimento estrangeiro. Movimentos guerrilheiros que se organizavam nos Andes bolivianos tornaram-se alvo dos militares liderados pelo então presidente Renée Barrientos. É neste período que o núcleo rebelde liderado por Ernesto Che Guevara foi derrotado, com ajuda da CIA, Che Guevara havia sido assassinado. A morte de Barrientos num estranho acidente de Helicóptero em 1969 gerou um período de grande instabilidade com uma sucessão de governos de curta duração até 1971, quando o então general Juan José Torres fora derrotado por um golpe de Estado liderado por Hugo Bánzer Suarez. A partir de então, a Bolívia não mais abrigaria qualquer sombra de guerrilhas opositoras armadas tanto na região andina quanto nas terras baixas a leste, próximas à fronteira com o Brasil. Presente na Bolívia desde a caça de Ernesto Che Guevara, a CIA proveu todo o know-how tecnológico, militar e intelectual ao governo Bánzer Suarez.

O Golpe Militar de 1973 no Chile

Salvador Allende havia conquistado o poder no Chile pela via eleitoral com uma campanha que propunha transformar o Chile em um regime socialista – ainda que de forma pacífica e apaziguadora, concedendo liberdade de imprensa e respeitando a constituição. O movimento operário do Chile era considerado um dos mais expressivos da América Latina - o que fazia das frentes de direita do Chile e os Estados Unidos desconfiarem da política amigável de Allende. Houve até mesmo o interesse explícito, de acordo com a Associated Press, de o governo americano impedir a posse do recém-eleito Allende em 1970. Optando por maneiras sutis de sabotagem ao governo Allende, posteriores acusações dão conta de que o governo americano passou a financiar maneiras de espalhar a desordem no Chile. Uma destas maneiras foi o de financiar uma gigantesca greve de caminhoneiros que afetava diretamente o abastecimento e mercado alimentício do país. As várias empresas transnacionais do Chile passaram a aderir à política golpista adotando uma série de medidas cuja finalidade era a de criar um ambiente instável cuja única forma de haver estabilidade política e econômica seria por meio de ação da força. Estava sendo criada uma gigantesca crise econômica artificial para mostrar não só que o governo Allende era um fracasso como também era preciso dos militares no poder.


É neste clima que em 1973 os militares chilenos decidiram aplicar o golpe de Estado, liderados pelo general Augusto Pinochet. À exemplo do que ocorrera no Brasil com a Operação Brother Sam, os EUA havia mobilizado navios e aviões para o Pacífico sul – a princípio alegando estar apenas participando de um exercício naval de rotina junto às marinhas latino-americanas e posteriormente alegando a observância da complicada situação no Chile, afirmando poder invadir o Chile sob o pretexto de, em decorrência da situação de instabilidade política do país sul-americano, zelar pelas vidas de cidadãos americanos residentes no país. Eram apenas máscaras que escondiam a retaguarda americana de prontidão caso houvesse resistência ao golpe militar de Pinochet. Há quem afirme que o verdadeiro início do Neoliberalismo se dá no Chile com Pinochet, que promoveu uma monstruosa onda de privatizações no país, tendo privatizado inclusive a educação chilena.


O Golpe de 1976 na Argentina


O golpe de 24 de março de 1976 era parte do chamado “processo de reorganização nacional” frente ao neoperonismo. A Argentina passava por um período de abalos econômicos, conflitos sindicais e constantes embates entre guerrilheiros de esquerda (ERP/Montoneros/PRT) – uma verdadeira frente esquerda armada contra milícias de ultradireita (Triple A) cuja principal atividade era a caça de subversivos. O golpe argentino havia sido fortemente influenciado pelo golpe chileno. A ditadura argentina, embora de pouca duração (1976-1983) é considerada a mais brutal da América Latina, com envolvimento em milhares de seqüestros, torturas e até mesmo campos de concentração. Foi a mais mortífera ditadura da América do Sul.

O golpe havia sido amplamente apoiado pelo governo norte-americano que possuía agora o apoio da Argentina junto aos outros países do cone sul para o que ficou conhecida de Operação Condor, uma liga de governos militares da América do Sul em ações que objetivavam a extinção total e completa de toda e qualquer organização opositora das ditaduras militares sul-americanas e grupos guerrilheiros de esquerda. O golpe argentino ainda contou com aviso prévio para os governos chileno e brasileiro, com telegramas enviados com meses de antecedência que além de avisarem sobre o golpe, mencionavam a adoção de novos planos econômicos assinados pelo então ministro da economia argentino José Alfredo Martínez denominado de “política de Neoliberalismo”, demonstrando clara inspiração chilena do modo como a Argentina conduziria o seu rumo econômico da segunda metade da década de 70 em diante.

A Argentina também receberia da FIFA, presidida pelo brasileiro João Havelange, a sede da Copa do Mundo de 1978 que foi usada pelo governo militar argentino como propaganda interna e externa de sua ditadura, utilizando do esporte mais popular do país, o futebol, como a grande ferramenta de manipulação da população, objetivando a criação de um espírito nacionalista contra a “ameaça comunista”. A Argentina foi campeã da competição de forma duvidosa, com acusações de manobras de bastidores que conduziram o time argentino ao título.

O declínio das ditaduras – o conceito de “redemocratização” na América Latina

Conforme vimos, as ditaduras militares ocorridas em toda a América Latina, em especial nos países mencionados, foi um processo orquestrado que tinha o objetivo de demonizar os eventos de 1959 em Cuba e impedir que o “sopro de ar fresco” gerado pela revolução cubana influenciasse os países latinos. A revolução cubana “ascendeu o botão de alerta” no poder político-econômico americano, de modo que os EUA passou a ver o problema da oposição política e econômica ao modelo capitalista não mais como um fenômeno do leste europeu, mas uma ameaça tão próxima ao ponto de estar em seu “quintal”. Foi aplicada uma série de medidas ousadas na política externa americana envolvendo todos os seus braços de influência para impedir que o resto da América Latina se tornasse parte do bloco comunista. Da perspectiva marxista, os EUA passaram grande parte da segunda metade do século XX orquestrando um movimento contra-revolucionário no seu próprio quintal num jogo de xadrez simultâneo às preocupações com a corrida espacial, armamentista e ideológica travada entre os EUA e URSS.

Entretanto, quando se percebe que a ditadura não funciona mais, não dá mais “liga”, emerge o conceito de redemocratização na América latina apoiado pela mesma burguesia que outrora apoiou a repressão. Percebe-se, portanto a necessidade de criar um afrouxamento artificial nestas ditaduras antes que elas causem uma nova revolução, desta vez mais inflamada e geograficamente integrada contra um inimigo em comum, a direita e o poder norte-americano. Este é um conceito que tomará toda a década de 1980 no Brasil e em toda a América Latina. A primeira ditadura a ruir é a mais violenta delas, a Argentina redemocratiza-se em 1983 em plena ressaca causada pela recém perda na Guerra das Malvinas.

Em 1985 caem as ditaduras no Brasil e Bolívia. O Chile redemocratiza-se apenas em 1990. Vemos, portanto um novo afrouxamento das tensões políticas que dão lugar agora a uma nova forma de controle, o Neoliberalismo, inaugurado na América Latina em 1973 com Augusto Pinochet. No hemisfério norte três figuras proeminentes se destacam na moldagem de um novo mundo: Ronald Reagan nos EUA, Margareth Thatcher na Inglaterra e o João Paulo II que na liderança da Igreja Católica passa a exercer influência decisiva no Leste europeu, preparando e antecipando o novo mundo que surgia com a queda da Cortina de Ferro. Os dois primeiros promovem a “ditadura absoluta do mercado” em extensão local e global enquanto João Paulo II reintegra o fator religioso ao novo panorama internacional. O mundo passou de uma guerra ideológica para redenção total à mão invisível do capital não antes de estar munido de uma “Bíblia na mão” - era talvez a mensagem definitiva de “segura na mão de Deus e vai”. O Estado passa então por uma crise identitária. Torna-se célebre logo após a Queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, o Best-seller “O Fim da História e o Último Homem” (The End of History and the Last Man) de Francis Fukuyama, onde a História enquanto um embate de ideologias havia enfim atingido o seu hipotético fim.

Na América Latina, com o fim das ditaduras, emerge uma série de governos neoliberais. Na Argentina redemocratizada, vemos o surgimento do governo neoliberal de Raúl Alfonsín (1983) e Carlos Menem (1989), no Brasil: José Sarney (1986), Fernando Collor (1990) e Fernando Henrique Cardoso (1994). No Chile Patricio Azócar (1990) e Eduardo Ruiz-Tagle (1994), na Bolívia Jorge Quiroga (2001) e Carlos Mesa (2003).

A História não acabou: a ressaca neoliberal reinventa a esquerda na América Latina

As sucessivas crises econômicas surgidas a partir da adoção da política neoliberal (privatizações de empresas estatais, corte de gastos públicos, desregulamentações de serviços, fim de benefícios trabalhistas entre outros) promoveriam transformações profundas em nosso continente. Os governos de direita vão sucessivamente perdendo força e popularidade e os governos de esquerda “explodem” em eleições de toda a América Latina.


Vemos líderes como Hugo Chávez Frías (1999) na Venezuela, Ricardo Lagos (2000) no Chile, Luis Inácio Lula da Silva (2003) e Dilma Rousseff (2010) no Brasil, Néstor Kirchner (2003) e Cristina Kirchner (2007) e o retorno do Neoperonismo na Argentina, Evo Morales (2006) e a emergência do movimento cocalero na Bolívia, Rafael Correa (2007) no Equador entre outros, num fenômeno chamado de “Guinada à esquerda” marcam a política sul-americana deste início de século XXI, demonstrando que o poder político vem alternando de acordo com as conjunturas econômicas, demonstrando novas maneiras de encarar a política na América Latina não mais como refém dos interesses econômicos internacionais como um sujeito atuante no intrincado jogo de poder político e financeiro no mundo contemporâneo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Hassan bin Sabbah - O precursor de Bin Laden



É comum vermos nos meios de comunicação de massa referências ao saudita Osama Bin Laden (morto no último domingo pelas forças militares americanas) como o grande símbolo do terrorismo religioso transnacional. Uma ressonância particularmente curiosa é encontrada em narrativas históricas que dizem respeito a um "senhor do terror" que vivia recluso em montanhas com um grande séquito de fanáticos religiosos.

No século XI viveu nas montanhas do norte do Irã aquele considerado por muitos a grande inspiração da vida de Osama bin Laden, Hassan bin Sabbah Homairi (conhecido no "O Livro das Maravilhas" de Marco Polo como Aladino, o Velho da Montanha.

Sabbah nascera no seio de uma tradicional família iraniana de Qom, 156km à sudoeste de Teerã, o grande centro de propagação de uma vertente esotérica do próprio Islamismo, o chamado "Ismaelismo", crença que se afastava do Islã sunita e xiita, acrescentando na lista dos profetas sagrados de matriz abraâmica (Adão, Noé, Abrãao, Moisés, Jesus e Maomé) o profeta Ismael - citado não só no Alcorão como também no Gênesis bíblico, como sendo o primeiro filho de Abraão com sua segunda esposa, a serva egípcia Agar.

Tendo estudado em Cairo, Egito em 1079, adquirira conhecimentos aprofundados do Alcorão além de textos do Antigo e Novo Testamento bem como escritos Vedas hindus (textos estes espalhados pelo Egito e Oriente Médio após as invasões de Alexandre o Grande, no século IV a.C.). Hassan unificou todos estes conhecimentos e adaptou-os ao Zoroastrismo - crença religiosa enraizada nas populações dos planaltos da Pérsia desde o século VII a.C.

Ao regressar para o Irã, passou a propagar a integração de todas aquelas crenças numa única doutrina, inquietando as autoridades locais. Na época, o Irã passava por um período de dominação dos turcos seljúcidas, adeptos da ortodoxia islâmica sunita e que já perseguia a vertente islâmica xiita, preferência iraniana de longa data.

Expulso do território iraniano, inicia andanças por todo o Oriente Médio, adquirindo um séquito importante em faixas territoriais que iam da Síria à região montanhosa ao sul do Mar Cáspio. Fixa-se nas regiões da Cordilheira de Elbruz, escondido em um vasto território de planaltos de difícil acesso, com montanhas que ultrapassavam os 5.000 metros de altitude, como o mais alto daquela região, o pico Demavend com exatos 5.655m do nível do mar.

Em 1090, com apoio de seus seguidores, promove a conquista da fortaleza de Alamut que significa "Ninho da águia" em persa. Alamut é uma fortaleza inexpugnável localizada no pico de uma montanha de 2.100 metros de altura construída aproximadamente no ano de 602 da era cristã para servir de refúgio ao líder Wahsudan, da província iraniana do Dailam. Da fortaleza do Alamut, Hassan bin Sabbah orquestrou a organização de uma seita apelidada de "Assassinos". As origens da empregabilidade do termo "Assassinos" é ainda fonte de muitas especulações. O termo derivaria do árabe "Hashishin" (usuários da erva "hashish" ou "haxixe"). Contudo, outras investigações concluem que Hassan bin Sabbah denominava o seu próprio grupo de "Asasiyun" que desginaria à pessoas que mantinham-se fiéis ao "Àsas" (que significa "fundação" em persa, fundação neste caso, uma referência ao próprio início de sua seita religiosa). A crença de que os "Assassinos" eram usuários de haxixe contudo, ainda mantém-se bastante popular entre vários historiadores. O termo "assassino" não só na língua portuguesa em outras línguas, é derivada da seita de Hassan bin Sabbah.

Não tardou para que aquele novo culto islâmico atraísse cada vez mais seguidores que passaram a organizar-se em três níveis hierárquicos, os iassek, (a grande massa de fiéis), os mujib - fiéis mais dedicados ao culto e por fim os fedayin que se sacrificavam em nome da fé. Muitas das informações vindas do grupo, até mesmo pelas dificuldades de comunicação existentes uma vez que estavam baseados em uma região extremamente isolada, são em sua maior parte, oriundas de fontes orais. Abundavam, por exemplo, relatos referentes às táticas usadas para induzir novos fiéis como a prática de ritos que levavam indivíduos à experiências em que eram convencidas sobre as "vantagens" da morte. Tais ritos envolviam o uso de substâncias psicotrópicas ou experiências sexuais com mulheres virgens. As várias paisagens e jardins naturais dos vales que rodeavam a fortaleza de Alamut, eram utilizadas como exemplos de "realidades metafísicas" que seriam presenteadas aos seguidores que obedecessem as ordens do líder Hassan bin Sabbah. Muitos seguidores praticavam o suicídio caso o líder exigisse, como forma de provar obediência e fé, pois o paraíso era assegurado àquele que fosse fiel às causas da seita - o que poderia incluir ordens para que seus fiéis partissem em missões cujo objetivo era o de matar figuras proeminêntes do clero e realeza espalhados por todo o Oriente Médio.

Emires, governantes de cidades, comandantes e clérigos de toda a região passaram a se preocupar com sua segurança e a utilizar armaduras em metal no seu dia-a-dia temendo ser vítima de atentados realizados com adagas ou espadas. Os assassinos apunhalavam suas vítimas geralmente pelas costas. Uma tática de intimidação bastante comum entre os assassinos era o de deixar um bilhete fixado com uma adaga na parede dos cômodos das vítimas, avisando-lhes da iminência de um atentado à suas vidas e quando menos se esperava, retornavam e executavam a vítima. Desta forma, a seita de Hassan passou rapidamente a ser conhecida como uma organização perigosíssima que recrutava assassinos políticos que durante um período considerável de tempo espalhou o terror e desconfiança em um Oriente Médio que também já sofria de invasões cristãs vindas da Europa, os Cruzados.

O Velho da Montanha - Imortal?

Após a conquista da fortaleza de Alamut, muitos seguidores da seita e o próprio Hassan bin Sabbah não tinham o costume de deixar o local. Era o esconderijo perfeito e poucos realmente conheciam a sua verdadeira localização.

Sabe-se que Hassan conquistara o Alamut com 56 anos de idade e estima-se que tenha vivido até os 90 anos de idade. A lenda de sua imortalidade surge porque possivelmente seus sucessores mantinham os mesmos costumes e práticas atribuídas à Hassan e como a notícia de suas mortes e sucessões raramente saíam dos limites da fortaleza, acreditava-se que "O Velho da Montanha" fosse imortal pois gerações após gerações ainda se ouvia falar do líder que se refugiava nas montanhas ao norte do Irã, em um corte cronológico que foge dos parâmetros de longevidade humana como o período de 1090 à 1256.

O fim da seita e a tomada de Alamut

O fim da misteriosa e perigosa organização é datada do século XIII quando uma onda de guerreiros mongóis avançam sobre a Ásia Central, tomando como base a cidade de Tábriz na Armênia. O imperador mongol Hulagu Khan liderou campanhas militares na maior parte do Oriente Médio e Ásia Menor, levando consigo a tomada de várias cidades e territórios o que incluiu a Fortaleza de Alamut em 1256. Era o fim de um reino de horror - que veio a encontrar curiosas ressonâncias no século XX e XXI com a Al Qaeda de Osama bin Laden.


Referências:

Bin Sabbah, o Homem que Inspirou Bin Laden (Marie Helène Parinaud) http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/bin_sabbah_o_homem_que_inspirou_bin_laden.html

Marco Polo: O Livro das Maravilhas Tradução de Elói Braga Júnior. Porto Alegre: L&PM, 2006.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entendendo o "Lulismo"

Um dos fenômenos mais complexos dos governos de centro-esquerda da América Latina é a compreensão do "Lulismo" no Brasil, dotado de muitas particularidades que o tornam mais complexo que qualquer outro governo popular na América Latina. O governo do Lula acabou, mas a burguesia, quem diria, está com saudade. Como isso é possível? Para entender o fenômeno do "Lulismo" é preciso compreender que os anos 90 foram de mudanças radicais na estratégia de luta do Partido dos Trabalhadores.

Isso se deu em grande parte devido à singular Eleição presidencial de 1989 - onde muitos argumentam principalmente a própria liderança do PT, que se o Lula tivesse ganho (e ele quase ganhou não fosse o jogo sujo do Collor e da Globo), possivelmente ele não teria tomado posse. É muito provável que se Lula fosse eleito, teríamos visto um novo golpe de Estado no Brasil liderado ocultamente pela burguesia brasileira. Isso ao que tudo indica, me parece extremamente verossímil. A imagem que Lula passava na época era de grande medo. O Lula representava toda aquela classe operária de altíssimo teor contestatório.

Portanto, o Lula e o PT saíram das eleições de 1989 cientes de que mesmo ganhando uma eleição, o poder no Brasil é sem sombra de dúvidas uma das atividades mais complexas que existem. É a partir daí que surge a ala que defende uma maior flexibilidade política trabalhando com a idéia das conjunturas. É preciso jogar de acordo com as regras do jogo e para muitos partidários, isso não representava necessariamente uma "traição" dos valores fundamentais do PT, pelo contrário, trata-se de um estratagema para tornar as relações de poder flexíveis, adquirir confiança e paralelamente a isso, efetuar as mudanças sociais acessíveis de acordo com as regras do jogo.

O PT se convenceu que no Brasil não se faz política sem alianças apaziguadoras com a classe burguesa. A classe operária o PT já tinha, era preciso conquistar o outro lado. Por isso identificamos esse processo de ruptura dentro do próprio PT. As alas radicais, defendidas ideologicamente por Plínio de Arruda Sampaio discordaram veementemente desta estratégia. Plínio acreditava ainda na manutenção do discurso inflamado dos anos 80 e a questão da obtenção do poder era o de menos. Plínio acreditava que, através do processo histórico, a sociedade brasileira gradativamente adquiriria consciência de classe (daí a importância reservada ao uso eficaz de meios de comunicação disponíveis, desde os mais simples aos mais sofisticados como a internet). Nem que isso levasse muitas gerações por ocorrer, a consciência do "operariado" despertaria de dentro das relações sociais no decorrer do tempo. A partir daí não importaria se o Lula perdesse todas as eleições que disputasse, o povo invariavelmente identificaria em seu discurso a razão.

Ao pensarmos desta perspectiva, Plínio - mais utópico e idealista - acredita numa Revolução mais sólida, concreta e sem hibridismos num verdadeiro "marxismo etapista". No entanto, o argumento favorável à política de alianças é a de que jamais na América Latina seria possível a prática de etapas previstas por Marx. Num argumento até mesmo próximo à ideologia do filósofo cubano José Martí, argumenta-se que a América Latina nascera de um processo incompleto de evolução econômica. Passamos de um colonialismo escravocrata direto para o sistema Capitalista, de modo que a burguesia latino-americana é naturalmente débil, dependente de representações estatais. Portanto, o movimento de mudança é naturalmente refém da política nacional.

É munido desta perspectiva que vimos um PT reformado e graças a essa reforma ideológica de conjuntura é que atribuem o imenso sucesso de Lula. A manutenção do discurso social do Lula acabou sendo expressa através do amplo sistema de bolsas e cotas, em outras palavras, na política do assistencialismo como medida legítima de modificação da sociedade brasileira de um estágio "A" para o estágio "B" sem discutir a eficácia das medidas. O fato indubitável é a mudança. Se ela foi sólida ou não, só a História revelará.

O mensalão, à esta ótica, é justificável?

Completamente. Imaginemos que o governo de Lula promovesse uma ruptura de negociatas anteriormente estabelecidas, o seu governo já estaria entrando em atrito com os interesses burgueses logo de cara, estabelecendo portanto uma oposição popular bastante relevante - imagem que o PT reformado almejava afastar-se. A questão a ser discutida é até que ponto a corrupção pode ser utilizada a favor de um modelo de administração governamental? Cabe a nós cidadãos discutirmos estes problemas, procurarmos o debate direto a respeito desse tipo de política. As dissimulações, concessões, manobras são politicamente justificáveis?