sexta-feira, 12 de novembro de 2010

África na Escola: Uma teia complexa





É muito comum encontrarmos nos estudos de História poucas, escassas ou nulas informações acerca da África. A aprovação da lei 10639/03 gerou e ainda gera muita polêmica nos meios escolares, afinal, tornou-se de um dia para o outro obrigatório o ensino de História da África e a maioria esmagadora dos educadores e educandos não estavam e aliás, ainda não estão preparados para lidar com o assunto - ainda que em uma sala de aula de todas as escolas públicas, pelo menos um aluno, numa média de 40 alunos por sala é negro ou mestiço. Como é possível, afinal de contas, dissociar a História da Humanidade sem olharmos para o continente de onde toda a civilização humana descende? A partir desta prerrogativa, passamos a compreender o porquê a História ensinada nas escolas possui uma aparência um tanto quanto distante para muitos alunos - afinal, sempre analisamos a História do Mundo de uma perspectiva eurocentrada e só agora fomos nos dar conta disso. Passado o estranhamento inicial e a superação de obstáculos básicos sobre a África - dados que vão além do tradicional Egito Antigo, é onde encontramos grandes problemas dos estudos africanos no Brasil e no Mundo, onde adentramos num campo absolutamente vasto de informações.

Afinal, quê África das "Áfricas" pintadas na Historiografia moderna (desde quando a História se torna uma disciplina no século XIX) vamos ensinar nossos alunos?

Discursos e imagens elaborados com a narrativa Eurocentrada

O discurso elaborado sobre a África é influenciado em grande parte pela projeção européia, no século XIX, da idéia de “África-Objeto” (que aliás também é responsável pela morfologia fronteiriça da África ao longo do dois últimos séculos) no processo de dominação política e econômica do continente pelas potências capitalistas européias, o chamado Neo-colonialismo. Esta dominação culminaria numa visão absolutamente distorcida a respeito da historicidade de povos com tradições e memórias milenares – sobretudo da África subsaariana – freqüentemente relegada a um segundo plano quando comparada a História norte-africana. Nesta linha identificamos o africanista Maurice Delafosse cuja primazia dos estudos subsaarianos na primeira década do século XX é ofuscada em grande parte por esta visão limitada e eurocentrada. Destaca-se também Yves Urvoy, historiador francês, autor de obras importantes como Histoire dês populations Du Soudan central (História das populações do Sudão central) de 1936 e Histoire de l’empire de Bornou (História do império de Bornu) de 1949.

Contribuições e limites do Afrocentrismo

Na espessa “poeira” que emerge no continente africano no período das independências coloniais, observa-se a emergência do afrocentrismo como instrumento de sobreposição ao modelo político estabelecido pelos colonos europeus. A Historiografia africana viria a mudar exponencialmente com o desenvolvimento de uma visão inclinada aos nacionalismos. Além disso, houve as independências mas a estrutura econômica dos países africanos permaneceu sendo colonial. O historiador senegalês Cheikh Anta Diop se destaca neste período numa abordagem acadêmica revolucionária que promovia o renascimento africano e o federalismo do continente. No entanto, sua abordagem é excessivamente Egito-centrista, deslocando toda a pluralidade africana na base das civilizações denominadas “Nilóticas” e pela importância acordada à noção de raça. Historiadores como o congolês Elikia M’bokolo ganham proeminência ao ressaltar a importância de se resgatar ricas memórias de civilizações da África subsaariana antes relegada ao Egito-centrismo. Sua obra-prima, L’Afrique noire. Histoire et civilisation (A África Negra: História e Civilizações) é de suma importância para os estudos historiográficos das civilizações africanas. E mesmo os acontecimentos políticos da República Democrática do Congo (ex-Zaire) e país de origem de M’bokolo, demonstram e exemplificam de certa forma o sentimento de resgate dos valores africanos contra aqueles estabelecidos pelos colonos. Nos anos de 1970, o então líder congolês Mobutu promove uma verdadeira “africanização” proibindo nomes ocidentais e cristãos. O próprio Mobutu havia, desde a deposição do líder Patrice Lumumba, modificado seu nome de Mobutu Joseph Désiré para Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu waza Banga. Portanto, vemos a busca pela quebra de idéias que tornavam a Civilização Egípcia como a grande “fundadora” civilizacional do continente ressaltando que muitos reinos africanos ultrapassavam os limites de simples povoados ou tribos como a Historiografia tradicional havia tornado comum. Vemos a necessidade de se ter novas abordagens e observamos que o continente africano possuiu múltiplos eixos de desenvolvimento político, econômico, artístico, social e etc ao longo de milênios, além disso, não podemos ignorar todo o desenvolvimento de um “mundo atlântico” de onde se observa toda uma expansão multicultural africana para o Novo Mundo desde o século XVI com o processo de colonização das chamadas “Índias ocidentais”, o tráfico de escravos e etc. Tal panorama é demonstrado a partir da obra “O Atlântico Negro” de Paul Gilroy.

Estudos pós-coloniais e o pós-modernismo

A “cacofonia de discursos” gerada a partir dos panoramas historiográficos já mencionados na realidade moldou novos debates acerca da História da África. Vemos críticas aos modelos emergentes – sobretudo após a segunda guerra mundial onde evita-se difundir a noção de raça mas as supremacias político-econômicas das instituições hegemônicas permanecem intocáveis. O multiculturalismo como fonte de mudança nas estruturas de poder deve ser amplamente debatido. É preciso compreender que no processo histórico, o colonizador é influenciado pelo colonizado e vice-versa. A grande importância pela busca de “Micro-Histórias” locais tece uma Historiografia mais completa para a análise do todo, fugindo assim das categorias generalizantes A visão Pós-Moderna por sua vez inaugura a coexistência de uma teia de conexões históricas e a idéia de caos. Desde modo, até que ponto podemos definir a História não só da África mas das culturas globais como uma sucessão de múltiplos eixos contra a idéia de caos? A África e a Europa sempre se entrecruzaram em caos não lineares – fato que sempre existiu – não sendo exclusividade do panorama Pós-Moderno. O discurso Pós-Moderno traz a idéia de cortina de fumaça para um quadro multifacetado e de múltiplos eixos perfeitamente observáveis por meio do exercício histórico bem elaborado.

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