segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entendendo o "Lulismo"

Um dos fenômenos mais complexos dos governos de centro-esquerda da América Latina é a compreensão do "Lulismo" no Brasil, dotado de muitas particularidades que o tornam mais complexo que qualquer outro governo popular na América Latina. O governo do Lula acabou, mas a burguesia, quem diria, está com saudade. Como isso é possível? Para entender o fenômeno do "Lulismo" é preciso compreender que os anos 90 foram de mudanças radicais na estratégia de luta do Partido dos Trabalhadores.

Isso se deu em grande parte devido à singular Eleição presidencial de 1989 - onde muitos argumentam principalmente a própria liderança do PT, que se o Lula tivesse ganho (e ele quase ganhou não fosse o jogo sujo do Collor e da Globo), possivelmente ele não teria tomado posse. É muito provável que se Lula fosse eleito, teríamos visto um novo golpe de Estado no Brasil liderado ocultamente pela burguesia brasileira. Isso ao que tudo indica, me parece extremamente verossímil. A imagem que Lula passava na época era de grande medo. O Lula representava toda aquela classe operária de altíssimo teor contestatório.

Portanto, o Lula e o PT saíram das eleições de 1989 cientes de que mesmo ganhando uma eleição, o poder no Brasil é sem sombra de dúvidas uma das atividades mais complexas que existem. É a partir daí que surge a ala que defende uma maior flexibilidade política trabalhando com a idéia das conjunturas. É preciso jogar de acordo com as regras do jogo e para muitos partidários, isso não representava necessariamente uma "traição" dos valores fundamentais do PT, pelo contrário, trata-se de um estratagema para tornar as relações de poder flexíveis, adquirir confiança e paralelamente a isso, efetuar as mudanças sociais acessíveis de acordo com as regras do jogo.

O PT se convenceu que no Brasil não se faz política sem alianças apaziguadoras com a classe burguesa. A classe operária o PT já tinha, era preciso conquistar o outro lado. Por isso identificamos esse processo de ruptura dentro do próprio PT. As alas radicais, defendidas ideologicamente por Plínio de Arruda Sampaio discordaram veementemente desta estratégia. Plínio acreditava ainda na manutenção do discurso inflamado dos anos 80 e a questão da obtenção do poder era o de menos. Plínio acreditava que, através do processo histórico, a sociedade brasileira gradativamente adquiriria consciência de classe (daí a importância reservada ao uso eficaz de meios de comunicação disponíveis, desde os mais simples aos mais sofisticados como a internet). Nem que isso levasse muitas gerações por ocorrer, a consciência do "operariado" despertaria de dentro das relações sociais no decorrer do tempo. A partir daí não importaria se o Lula perdesse todas as eleições que disputasse, o povo invariavelmente identificaria em seu discurso a razão.

Ao pensarmos desta perspectiva, Plínio - mais utópico e idealista - acredita numa Revolução mais sólida, concreta e sem hibridismos num verdadeiro "marxismo etapista". No entanto, o argumento favorável à política de alianças é a de que jamais na América Latina seria possível a prática de etapas previstas por Marx. Num argumento até mesmo próximo à ideologia do filósofo cubano José Martí, argumenta-se que a América Latina nascera de um processo incompleto de evolução econômica. Passamos de um colonialismo escravocrata direto para o sistema Capitalista, de modo que a burguesia latino-americana é naturalmente débil, dependente de representações estatais. Portanto, o movimento de mudança é naturalmente refém da política nacional.

É munido desta perspectiva que vimos um PT reformado e graças a essa reforma ideológica de conjuntura é que atribuem o imenso sucesso de Lula. A manutenção do discurso social do Lula acabou sendo expressa através do amplo sistema de bolsas e cotas, em outras palavras, na política do assistencialismo como medida legítima de modificação da sociedade brasileira de um estágio "A" para o estágio "B" sem discutir a eficácia das medidas. O fato indubitável é a mudança. Se ela foi sólida ou não, só a História revelará.

O mensalão, à esta ótica, é justificável?

Completamente. Imaginemos que o governo de Lula promovesse uma ruptura de negociatas anteriormente estabelecidas, o seu governo já estaria entrando em atrito com os interesses burgueses logo de cara, estabelecendo portanto uma oposição popular bastante relevante - imagem que o PT reformado almejava afastar-se. A questão a ser discutida é até que ponto a corrupção pode ser utilizada a favor de um modelo de administração governamental? Cabe a nós cidadãos discutirmos estes problemas, procurarmos o debate direto a respeito desse tipo de política. As dissimulações, concessões, manobras são politicamente justificáveis?

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Afinal, por quê o século XX foi tão conturbado?



Na contemporaneidade, ao observarmos o comportamento social dos indivíduos, é comum vermos uma tendência acentuada das pessoas para a busca de um objetivo de vida. Não se trata apenas de traçar uma meta de vida e segui-la com paciência, resignação e cuidado, trata-se da busca por isso e muito mais. O ser humano ao longo das últimas décadas tornou-se tão global e diverso, que as mudanças lentas e pouco diversas ao qual o cérebro humano até então estava acostumado passou a funcionar em um ritmo muito mais veloz.

Em tempos antigos, um processo de mudança política, social e econômica levava o tempo de uma ou mais vidas, de modo que muitos indivíduos sequer notavam a existência de um processo, relacionando-o com o tempo e o espaço. Ademais, torna-se ainda muito mais complicado designarmos tais pessoas como um indivíduo coletivo e consciente. Até meados do século XIX, em muitas cidades de estados considerados culturalmente proeminentes como a França ou Inglaterra, havia núcleos populacionais que, separados pelo espaço, pouco ou nulo se comunicavam ou sentiam tal necessidade. Tal fato em muitos casos era observado até mesmo entre diferentes bairros de uma mesma cidade, até mesmo Paris do início do século retrasado. Havia uma gama de universos paralelos numa mesma cidade ou país. É possível que a noção de que algo não está em seu devido lugar, analisando o quadro acima descrito com a mentalidade atual, tenha origens num evento em particular – a Revolução Francesa. No momento em que muitos se rebelavam contra o sistema, muitos não sabiam afinal o que faziam no sentido mais amplo das relações político-sociais. Em muitos casos, as pessoas se revoltavam porque passavam fome.

A noção de que é possível mudar e se reciclar em prol de uma causa e a idéia de que para o ser humano a mudança é condição da vida, se desenvolveu na sociedade européia ao longo do século XIX tendo como partida este evento político acima citado, tamanha a sua contundência histórica e tamanha as mudanças que proporcionaria na sociedade até então. Uma das obras literárias que melhor exprimem o pensamento do homem moderno que se desenvolvia em meados do século XIX é o clássico “O Fausto” do escritor alemão Johann Goethe. Nele, o autor compõe a narrativa de um homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de sua época, faz um pacto com o demônio Mefistófeles, enchendo-o com aquilo que era o seu maior desejo, uma energia inspiradora de paixão pela técnica e pelo progresso. Conforme o contrato com o demônio, Fausto em troca, entrega-lhe a alma.

Tal obra traz em Fausto um arquétipo do ser humano. Basta uma decepção com o continuísmo da vida, para que um desejo sufocante de manipular a vida e acelerar o seu processo de mudança incendeie nossas mentes. A partir do momento em que nos tornamos mais suscetíveis às mudanças, nos tornamos uma grande “metamorfose ambulante”, num ritmo tal que hoje, não nos sentimos seguros se não mudamos. Estamos mergulhados numa grande paranóia em que a estabilidade representa a constante mudança e relacionamos a estagnação a um passado distante que deve ser esquecido. É munido desta mentalidade, que devemos analisar a História do século XX.

Em nenhum século de nossa História, observamos um período de tantas mudanças em um curto espaço de tempo. Fazer a História do século passado é muito mais do que enumerar fatos e analisa-los individualmente. Todos partem de um tronco só, de que o ser humano nasceu para mudar. Todo o sentido de mudança que o homem foi desenvolvendo ao longo do século XIX culminou com o quadro caótico do século XX.