domingo, 4 de setembro de 2011

União Soviética – a experiência fracassada da Rússia contra o Capitalismo

A Europa após o turbulento ano de 1848 e a Primavera dos Povos já não representava mais um continente em vias de estabilização, muito pelo contrário. O barril de pólvora aceso pela Revolução Francesa ainda em finais do XVIII ascenderia o pavio de novas lutas pela justiça política que buscariam não só a quebra dos valores da submissão autocrática como o da justiça econômica, um dos tópicos mais controversos da civilização humana.


Em 1867, Karl Marx e Friederich Engels publicam o “Das Kapital”, uma teoria final e completa do capitalismo. “Das Kapital” trazia elementos filosóficos que iam desde Hegel, Feuerbach, Proudhon, Conde de Saint-Simon, Charles Fourier, Adam Smith e David Ricardo - um conjunto de autores cujas idéias foram suficientemente consistentes para colocar a Europa na rota dos grandes conflitos, num mundo absolutamente Iluminista.

Enquanto na França, as idéias de justiça econômica já estavam bastante avançadas, de modo que proporcionaram as revoluções de 1848 e até obtiveram êxito com a Comuna de Paris em 1871, a Rússia seguia um dos países mais atrasados do continente, fosse ao pensamento filosófico, na indústria, na política e etc. Em meio a esse atraso total e completo, que deixavam a Rússia czarista alheia aos acontecimentos da Europa Central, “O Capital” foi introduzido na Rússia pela primeira vez em 1872. O historiador inglês Orlando Figes em “A Tragédia de um Povo” descreve quais as circunstâncias que esta obra, de alto teor contestatório e uma ameaça sem igual aos poderes latifundiários russos se infiltrou naquele mundo semi-feudal:

"Em Março de 1872 chegava à secretária do censor russo um volume pesado sobre economia política, escrito em alemão. O autor era conhecido pelas suas teorias socialistas e todos os seus livros anteriores tinham sido proibidos. O editor não tinha qualquer razão para esperar que este livro tivesse um destino diferente. Tratava-se de uma crítica sem compromissos ao moderno sistema fabril e apesar de a lei russa da censura ter sido liberalizada, permanecia ainda uma clara proibição para todas as obras que abordassem as "nocivas doutrinas do socialismo e comunismo" ou que pudessem "atiçar a antagonismo entre uma classe ou outra". As novas leis (de censura) eram suficientemente rígidas para proibir livros tão perigosos como o "Ética" de Espinoza, o Leviatã de Hobbes, o "Ensaio sobre a história geral" de Voltaire...

No entanto, acharam eles que este magnum opus alemão - 674 páginas de compacta análise estatística- era demasiado difícil para poder ser considerado uma ameaça ao Estado. "Pode ser afirmado com segurança", concluiu o primeiro dos censores, "que muito poucos na Rússia o vão ler e menos ainda o irão compreender". E o segundo censor acrescentou que para além disso, o autor ataca o sistema de fabricação britânico, e que a sua crítica não é aplicável à Rússia, onde a "exploração capitalista" de que ele fala não é conhecida. Nenhum dos dois censores achou necessário impedir a publicação desta obra "estritamente científica"

Plekhanov é o grande precursor do Marxismo russo, em suas obras “socialismo e luta política” (1883) e “Nossas diferenças” (1885) definiria àquilo que se convencionou chamar de “Socialismo à russa”. A Rússia significava um caso extremamente particular até mesmo pra lógica Marxista uma vez que o país possuía uma cultura agrária que a princípio soa bastante difícil imaginar uma coesão, no sentido marxista, de consciência de classe suficiente para suplantar os poderes vigentes. Até então, acreditava-se que os movimentos sociais só nasciam no seio do operariado urbano, por representarem o que de mais avançado existia em massa de explorados na moderna economia industrializada e até mesmo expansionista da Europa Central.

Com uma indústria incipiente e um operariado urbano ínfimo, as atenções dos intelectuais russos eram voltadas para os camponeses. A partir daí, a Rússia parecia caminhar para um núcleo de terrorismo como a expressão mais acessível àquela massa de camponeses alheios ainda à diplomacia urbana. Parecia, contudo ser uma unanimidade entre os intelectuais russos, sobretudo Plekhanov que a solução mais plausível para o país era um socialismo diferente, com a cor da Rússia.

Narodnaya Volya

A mais imediata forma de resistência às injustiças econômicas na Rússia encontrou fácil vazão pelas mãos do terrorismo, através do grupo Narodnaya Volya (Vontade do Povo). Dentre as ações terroristas mais famosas do Narodnaya Volya está o assassinato do czar Alexandre II em 1881.

Entre os muitos partidários do grupo terrorista estava Aleksandr Ilyich Ulyanov, irmão mais velho de Lênin, cuja morte viria a contribuir e muito para o pensamento político do último, que se convenceria que o socialismo na Rússia não poderia ser sustentado pela via do terrorismo e sim pela propaganda e maior organização política. Aleksandr Ulyanov viria ser capturado e morto pela polícia russa ao ser descoberto, junto de outros membros do grupo, em uma nova tentativa de atentado cujo objetivo era eliminar, desta vez, Alexandre III, no dia do sexto aniversário da morte de Alexandre II.

Vladimir Ilitch Lênin e a Revolução como uma possibilidade

A virada do século XIX para o XX parecia ser a expressão do início de uma nova era, uma era que já vinha sendo anunciada na Europa desde 1848 e que agora no limiar do século apontava para um futuro promissor e a Rússia, através de uma cada vez mais incendiária classe de camponeses e proletários, disposta a iniciar o novo século com uma revolução, embora tal movimento fosse considerado extremamente improvável.


Leitor apaixonado de Chernyshevsky, em particular da obra “Quê Fazer?” que clamava pela criação de um novo homem russo através da auto-disciplina, auto-estilização e capaz de superar todos os traços do senso comum que identificavam os russos como passivos, melancólicos e alcólatras, Lênin acreditava cada vez mais que se a Europa deveria mudar e atingir um novo patamar do desenvolvimento social que pudesse enfim derrotar o capitalismo, por quê não iniciar este incêndio pela Rússia? Lênin foi um dos intelectuais russos que mais souberam aliar a teoria com a prática, organizando e incentivando todos os operários e camponeses para aquilo que se convencionou chamar de “revolucionários profissionais”.

1905 – Ensaio Geral

A Revolução russa de 1905 eclode em todo o Império Russo como um movimento espontâneo e descentralizado, sem muito objetivo e precisão. Contudo, é considerado pelos soviéticos como o grande ensaio para a Revolução de 1917.

A crise se explica em grande parte pela tentativa do Império Russo em modernizar-se e tentar, de forma autoritária, acompanhar o gap existente entre o país e o resto da Europa Ocidental cuja sofisticação e desenvolvimento industrial atravessava fronteiras, com colônias que se digladiavam pelo controle da África, num verdadeiro expansionismo do capitalismo europeu.

Lênin já percebera que a Rússia não poderia esquivar-se do desenvolvimento capitalista, cedo ou tarde ele entraria na Rússia feudal. O fim do trabalho escravo, que na Rússia durou até 1861, coloca uma massa de miseráveis nas ruas das principais cidades russas, que contribuíram decisivamente para agregar o discurso inflamado dos revoltosos.

Os grandes êxitos da Revolução de 1905, apesar de verdadeiros massacres como o Domingo Sangrento, fizeram o czar Nicolau II relutantemente lançar o Manifesto de Outubro que permitira a criação da Duma (parlamento) e a existência de partidos políticos como o Menchevique (social-democrata, porém moderado e com apoio da burguesia local) e o partido Bolchevique (mais radical e revolucionário). Além do mais, o Domingo Sangrento que fez a Okhrana, a temida polícia secreta do czar, disparar contra a multidão de revoltosos em São Petersburgo indignou a população russa, que passou a ver o czar definitivamente com outros olhos, pois até então Nicolau II ainda tinha certa popularidade.

A Revolução Russa de 1917

A grande revolução russa que eclode em 1917, desenvolve-se em duas etapas. Em fevereiro de 1917, as ruas de Petrogrado são tomadas por manifestantes. A adesão das tropas responsáveis por manter a ordem pública engrossou o grupo de manifestantes que se encaminharam para o Palácio de Tauride, a sede da Duma (parlamento).

Ao longo do dia, já reunidos no Palácio da Duma, formaram-se dois comitês, um formado por deputados moderados e que formariam um governo provisório e o outro era o “Soviete” da cidade de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas das mais diversas correntes.

Temendo um novo Domingo Sangrento, Nicolau II representado pelo grão duque Mikhail, ordenou que as tropas leais da Okhrana se retirassem e Nicolau II assinou sua abdicação. Um governo provisório foi formado pelo grupo dos moderados, com claros interesses burgueses. Contudo, em 1º de março de 1917, os Sovietes já exigiam que o exército parasse de obedecer aos Mencheviques e obedecessem aos Bolcheviques.

A segunda fase da Revolução ocorre em Outubro, com Lênin exigindo “todas o poder aos sovietes”. Na madrugada de 25 de outubro, os bolcheviques, liderados por Lênin, Zinoviev e Radek, bem como milhares de manifestantes e vários elementos do exército cercam a capital Moscow e declaram o poder total dos Bolcheviques.

Uma grave crise e guerra civil se instalariam nos anos seguintes até a criação definitiva da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.


A União Soviética – Um Estado policial autoritário

As pretensões de Lênin em promover uma Revolução na Rússia aparentemente haviam tido êxito, contudo é preciso salientar que a natureza do sistema não foi substancialmente mudada. Embora seja apontado como o interesse último de Lênin e seus correligionários, o século XX não veria uma grande mudança nas estruturas de poder.

Marx sugere, ao longo do Manifesto Comunista, que todas as revoluções até a sua morte (com exceção da Comuna de Paris) haviam aprimorado a noção do Contrato Social, ou seja, a noção de Estado ao invés de tê-lo mudado completamente, ou seja, pra uma ordem social independente de uma ação intervencionista maior, uma vez que esta já seria o reconhecimento final de que a sociedade não possui consciência o suficiente pra se auto-governar, necessitando portanto de uma representação estatal.

Algumas fontes dão conta que Lênin já havia percebido o erro nos primeiros meses de União Soviética e de certa forma, conscientizado de que aquela grande empreitada se não tivesse dado certo, pelo menos poderia ser adiada pra mais adiante no decorrer do Século XX.

Com sua morte em 1924, em condições extremamente controversas, Joseph Stálin toma o poder da União Soviética e a mantém como um Estado policial autoritário. Surge o Stalinismo que mantém as bases pra que a União Soviética tenha se tornado um ator, importante e ameaçador, ao longo de meio século de Guerra Fria. Contudo, a Revolução Russa fracassara. Há quem diga que Lênin acreditava que o grande trunfo da Revolução russa seria o de propaganda, ou seja, de que ela pudesse fomentar uma Revolução na Alemanha, mais industrial, com atmosfera filosófica ampla e que por tabela geraria uma revolução em toda a Europa.

Ciente de que a Revolução só tem êxito se ela tiver um caráter global, a União Soviética – embora tenha se expandido militarmente, manteve um caráter imperial e estatal, não conseguindo o seu maior objetivo, extinguir a noção de Estado nacional.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A Crise do Contrato Social – À que circunstâncias estamos entregues nas “mãos” do Neoliberalismo econômico?

As discussões que procuram entender ou mesmo legitimar a atividade do Estado ou autoridade política partem de compreensíveis pressupostos que visam medir o impacto, geralmente incerto e negativo, de uma sociedade entregue à “organização da natureza” – que em escala humana, ou seja, racional, representariam um panorama de caos.

Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau são considerados os maiores pensadores do contratualismo. O pensamento de Hobbes, expresso no clássico de 1651 “Leviatã” (em clara referência ao Leviatã bíblico) sugere que a barbárie ou “Bellum omnium contra omnes” (guerra de todos contra todos) seria é um estado da natureza que só pode ser evitado por meio de um governo central e forte.

John Locke por sua vez, embora com idéias idênticas às de Hobbes no tocante à finalidade última da organização civil em seu clássico intitulado “O Segundo Tratado sobre governo civil” (1690) diverge no que diz respeito à forma como as sociedades devem se submeter a essa força externa maior, a relação entre este representante estatal e a sociedade deve ser mais fluida, justificável sua destituição em casos de abusos ou situações que retiram direitos naturais que, uma vez concedidos por Deus, são irrevogáveis – numa organização muito pautada no consentimento e confiança, numa relação organizacional que cubra o interesse coletivo, ou seja, o da estabilidade.
Jean-Jacques Rousseau traça em “O Contrato Social” (1762) uma análise que procura entender por que existe sociedade e por que o homem se priva da liberdade, concluindo que, no contrato social os bens são protegidos e as pessoas, unindo-se às outras, acabam por obedecer a si mesmas, conservando enfim a liberdade, que para Rousseau é um direito inalienável.

Margaret Thatcher – The Iron Maiden (A Dama de Ferro)

O mais duro golpe ao Contrato Social na História recente da Humanidade partiria, quem diria, de uma mulher, a “dama de ferro” Margaret Thatcher, primeira ministra britânica de 1979 a 1990. A política inglesa a partir dos anos 80, hora chamada de Thatcherismo, hora denominada explicitamente de uma renovada forma de Liberalismo econômico, o Neoliberalismo, despontara na Europa (puxando junto consigo a maioria dos países do Ocidente) uma doutrina econômica que, para muitos, foi vista como um murro no estômago. Novamente, a fé cega no mercado que ganha um aspecto quase que metafísico às relações econômicas humanas, levaria ao monetarismo como doutrina política, passando a exercer papel central na “regulamentação” da sociedade.

Mais do que uma guinada neoliberal, a doutrina Thatcher na Inglaterra passaria até mesmo a ser vista como autoritária. Especificidades a parte, o Neoliberalismo crescente da Europa, Estados Unidos e todo o seu mundo “satélite” ameaçam a estabilidade da convivência humana, pois fragmenta o Estado do bem-estar social entregando-o aos interesses obscuros e mais hedonistas que a animalidade humana é capaz de desenvolver na lógica do “Bellum omnium contra omnes” que o capitalismo é capaz de proporcionar.

O mundo esquizofrênico e “pós-industrial” atual possui uma série de exemplos de como o Neoliberalismo distorce a ordem social. Variados são os exemplos e debates que tentam identificar este processo e são fontes de inúmeras pesquisas, estas informações vão desde a busca pela resposta do porquê os índices de desemprego quadriplicaram em nível global nas últimas duas décadas a até questões como por que se vive num mundo de interesses cada vez mais inclinados à identidade sexual exacerbada, a violência extrema, a busca pela fama à todo custo, as corruptelas dentro das empresas (e no mundo da política também), o crescente endividamento e até mesmo o uso de entorpecentes se sobressaem sobre os interesses coletivos de subsistência responsável.

Todos estes dramas atuais podem ser resultados do enfraquecimento de uma autoridade central forte e de um contrato social que reconheça que ainda há muito ainda para que o nível de consciência social seja suficientemente forte para uma anarquia total.

A pergunta que não quer calar, à que circunstâncias estamos entregues nas “mãos” invisíveis do Neoliberalismo econômico? A Crise econômica global dos subprimes em 2008 - que persiste sendo uma bola de neve interminável parece ainda não ter respondido com clareza a tais dúvidas.



Referência: MAZOWER, Mark. Continente sombrio: A Europa no século XX - cap. "A crise do contato social". Companhia das Letras, São Paulo: 1998.