
Isso se deu em grande parte devido à singular Eleição presidencial de 1989 - onde muitos argumentam principalmente a própria liderança do PT, que se o Lula tivesse ganho (e ele quase ganhou não fosse o jogo sujo do Collor e da Globo), possivelmente ele não teria tomado posse. É muito provável que se Lula fosse eleito, teríamos visto um novo golpe de Estado no Brasil liderado ocultamente pela burguesia brasileira. Isso ao que tudo indica, me parece extremamente verossímil. A imagem que Lula passava na época era de grande medo. O Lula representava toda aquela classe operária de altíssimo teor contestatório.
Portanto, o Lula e o PT saíram das eleições de 1989 cientes de que mesmo ganhando uma eleição, o poder no Brasil é sem sombra de dúvidas uma das atividades mais complexas que existem. É a partir daí que surge a ala que defende uma maior flexibilidade política trabalhando com a idéia das conjunturas. É preciso jogar de acordo com as regras do jogo e para muitos partidários, isso não representava necessariamente uma "traição" dos valores fundamentais do PT, pelo contrário, trata-se de um estratagema para tornar as relações de poder flexíveis, adquirir confiança e paralelamente a isso, efetuar as mudanças sociais acessíveis de acordo com as regras do jogo.
O PT se convenceu que no Brasil não se faz política sem alianças apaziguadoras com a classe burguesa. A classe operária o PT já tinha, era preciso conquistar o outro lado. Por isso identificamos esse processo de ruptura dentro do próprio PT. As alas radicais, defendidas ideologicamente por Plínio de Arruda Sampaio discordaram veementemente desta estratégia. Plínio acreditava ainda na manutenção do discurso inflamado dos anos 80 e a questão da obtenção do poder era o de menos. Plínio acreditava que, através do processo histórico, a sociedade brasileira gradativamente adquiriria consciência de classe (daí a importância reservada ao uso eficaz de meios de comunicação disponíveis, desde os mais simples aos mais sofisticados como a internet). Nem que isso levasse muitas gerações por ocorrer, a consciência do "operariado" despertaria de dentro das relações sociais no decorrer do tempo. A partir daí não importaria se o Lula perdesse todas as eleições que disputasse, o povo invariavelmente identificaria em seu discurso a razão.
Ao pensarmos desta perspectiva, Plínio - mais utópico e idealista - acredita numa Revolução mais sólida, concreta e sem hibridismos num verdadeiro "marxismo etapista". No entanto, o argumento favorável à política de alianças é a de que jamais na América Latina seria possível a prática de etapas previstas por Marx. Num argumento até mesmo próximo à ideologia do filósofo cubano José Martí, argumenta-se que a América Latina nascera de um processo incompleto de evolução econômica. Passamos de um colonialismo escravocrata direto para o sistema Capitalista, de modo que a burguesia latino-americana é naturalmente débil, dependente de representações estatais. Portanto, o movimento de mudança é naturalmente refém da política nacional.
É munido desta perspectiva que vimos um PT reformado e graças a essa reforma ideológica de conjuntura é que atribuem o imenso sucesso de Lula. A manutenção do discurso social do Lula acabou sendo expressa através do amplo sistema de bolsas e cotas, em outras palavras, na política do assistencialismo como medida legítima de modificação da sociedade brasileira de um estágio "A" para o estágio "B" sem discutir a eficácia das medidas. O fato indubitável é a mudança. Se ela foi sólida ou não, só a História revelará.
O mensalão, à esta ótica, é justificável?
Completamente. Imaginemos que o governo de Lula promovesse uma ruptura de negociatas anteriormente estabelecidas, o seu governo já estaria entrando em atrito com os interesses burgueses logo de cara, estabelecendo portanto uma oposição popular bastante relevante - imagem que o PT reformado almejava afastar-se. A questão a ser discutida é até que ponto a corrupção pode ser utilizada a favor de um modelo de administração governamental? Cabe a nós cidadãos discutirmos estes problemas, procurarmos o debate direto a respeito desse tipo de política. As dissimulações, concessões, manobras são politicamente justificáveis?